A poluição envenena o desenvolvimento da China, por Henrique Cortez


Poluição no rio Xiangjiang, na província de Hunan

A China, sempre citada como um exemplo de economia emergente, viu o seu PIB duplicar em apenas quatro anos. O crescimento da economia é inegável, mas a que custo? Por Henrique Cortez, do Ecodebate, com Agências.

No norte da China, a cerca de 96 quilômetros a leste de Beijing, a prosperidade chegou a um custo temerário. Dezenas de fábricas químicas locais – incluindo fabricantes de ácido sulfúrico – descartam suas águas residuais diretamente no rio Feng Chan, que é preto como tinta.

Esta poluição industrial foi autorizada há décadas e vem envenenando as águas subterrâneas, contaminando o fornecimento de água e, segundo os moradores, causando inúmeros casos de câncer. Na região, a taxa de câncer é mais do que 18 vezes a média nacional. Nas proximidades de Liukuaizhuang, é 30 vezes a média nacional.

“A água é terrível”, diz Li Baoqi, 41, uma vendedora de ervas da medicina tradicional chinesa. “Beber este tipo de água é basicamente um suicídio.”

Mas esta região não é um caso único na China. Beijing optou por sacrificar o meio ambiente e a saúde pública em um altar do comércio desenfreado. O desenvolvimentismo a qualquer custo sempre resulta na privatização dos lucros e na socialização dos passivos socioambientais.

Nas últimas duas décadas, a economia da China cresceu a uma taxa média anual de mais de 9%. Mas o custo econômico dos danos ambientais, os impactos na saúde pública, a perda de saúde dos trabalhadores e os custos dos esforços de remediação, tornaram-se proibitivamente elevados. “Esse milagre (econômico) acabará em breve, porque o meio ambiente não pode continuar a manter o ritmo de degradação”, diz Pan Yue, vice-diretor nacional da Administração de Proteção Ambiental da China, em declarações ao jornal alemão Der Spiegel.

Os custos ambientais podem atingir de 8% a 15% do produto interno bruto anual da China, disse Pan.

No Norte, a desertificação crescente motiva grandes migrações humanas, sobrecarregando as cidades. No Sul, as fábricas são, periodicamente fechadas por falta de água. O Banco Mundial estima que estes fechamentos temporários custam US$ 14 bilhões (R$ 22 bilhões) ao ano, só em perda de produção.

70% dos rios, lagos e reservatórios da China apresentam algum grau de poluição, 30% de seu território recebe chuva ácida e 20 das 30 cidades mais poluídas do mundo estão dentro de suas fronteiras.

Mesmo assim, mais de 100 das 660 cidades da China enfrentam extrema escassez de água e a demanda continua crescente. A China possui 21% da população mundial, mas apenas 6% das reservas hídricas do planeta.

No ano passado, o Banco Mundial divulgou estudo, segundo o qual, a poluição provoca prejuízos anuais equivalentes a 5,8% do PIB chinês, algo como US$ 200 bilhões (R$ 314 bilhões). A maior parte – 4,3% do PIB – diz respeito à morte prematura de pessoas decorrente da má qualidade do ar ou da água. O 1,5% restante é relacionado a danos materiais.

No entanto, recuperar o equilíbrio entre o desenvolvimento econômico e a proteção ambiental não será fácil.

Em Liukuaizhuang, de acordo com a Administração de Proteção Ambiental, a água apresenta concentrações de hidroxibenzeno, uma substância cancerígena, muito acima dos limites aceitáveis.

A exposição ao hidroxibenzeno provoca câncer e debilita o sistema imunológico. Pequenas quantidades de fluoreto ajudam a prevenir a cárie dentária, mas em níveis elevados, a substância também fragiliza os ossos.

Wang Peiting, 41, foi diagnosticada, em março, com cirrose do fígado e leucemia. “A exposição prolongada a toxinas ambientais” pode desencadear cirrose, de acordo com a American Liver Foundation. E benzeno é um potencial causador de leucemia, de acordo com a Agência de Substâncias Tóxicas e Doenças dos EUA.

Uma lista das pessoas que já morreram

Organizações locais prepararam uma lista de 261 pessoas, que morreram em Xiditou e Liukuaizhuang, desde 1999. Algumas pessoas morreram com 70 ou 80 anos e, provavelmente, nem todas as mortes resultaram de poluição. Mas há muito mais pessoas que morreram com idades de 25, 28, 19, 37, 34 e 36 anos. Um caso, citado na lista, identifica um menino que, aos 9 anos de idade, morreu de câncer cerebral.

“Esses jovens não deveriam morrer”, diz Lu Xiurong, 63, cuja filha ficou doente em 2002 com câncer de pulmão, mesmo não sendo fumante, em uma família de não fumantes e sem histórico de câncer de pulmão.

A população planeja reunir de 30 a 40 doentes com câncer e tentar mais uma visita a Beijing, para pressionar as autoridades. Se isto falhar, eles pretendem fazer um protesto na Praça de Tiananmen – terreno sagrado para os dirigentes comunistas, que esmagam qualquer tentativa de dissidência por lá.

“Não há nada mais podemos fazer. É a nossa única opção”, afirma Li Baoqi, mãe de duas meninas, com 11 e 16 anos. “É melhor do que sentar em nossas casas à espera da morte.”

[EcoDebate, 02/08/2008]

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